Eu tinha no máximo 6 anos de idade.
Nós morávamos na minha querida Visconde do Rio Branco, Zona da Mata Mineira, numa chácara próxima à Rua Melo Barreto que hoje é o famoso Clube dos Bancários.
Naquela época, final da década de 50, o Xopotó, nosso mar mineiro; a Estrada de Ferro da Leopoldina e o Campinho de Futebol da velha Cooperativa fundada pelo Dr Correia Dias, faziam divisas conosco.
Também, havia, defronte, a Oficina do Sr Wilson e, na lateral da direita, os vizinhos eram a família Machado, da conhecida “Pensão do Seu Totônio Machado, cuja mulher, a Dona Rosinha, confeccionava as belas asas para as crianças-anjinho coroarem Nossa Senhora.
E era comum, vez ou outra, comprarmos marmita da Pensão.
Em sendo assim, eu bem sabia, que quando o delicado me chamar por “Elzinha” era deixado de lado pela vovó Neném, e que ela usava o meu prenome completo:”” Elza Maria””??!!, vichi... era sinal de algum trabalho e tinha mesmo que sair no galope, criar asas nos pés, para não atrasar ao chamado.
De praxe, a lista de afazeres era sempre a mesma: bater nata para fazer manteiga naquelas latas de Gordura de Coco Carioca que viviam engorduradas e deslizando das minhas mãos miúdas, achava uma chatice... ; prender o “bendito” Perigo no canil para, depois, abrir o galinheiro e espalhar farelo no quintal da frente; colocar água nas gaiolas dos Pintassilgos-mineiro ... e, ai de mim se n desse conta direitinho de tudo isto. Rolava castigo , sem dúvida.
Mas, nessa manhã, o rol de obrigações foi maior e bem mais responsável!!
Na falta da Marfízia, a empregada de décadas, fui a escolhida para fazer um “delivery”, veja só, uma criança, tinha que buscar a janta na vizinha Pensão do Seu Totônio.
Para começar, o caminho era estreito, cheio de Picão-da-praia; Carrapicho de Carneiro; Meloso dos compridos e touceiras de capim Brachiaria que, além de piniquentos, soltavam aquelas sementes pretinhas que ficavam dias grudadas dos pés aos cabelos.
E lembro como se fosse agora, dependurada na cerca de bambu Taquara que fazia a divisa dos terrenos, gritando a encomenda do único prato da casa: o famoso PF Completo.
Logo apareceu uma servente, bem novata, que, estranhando ter q entregar a marmita para mim, criança, preferiu conferir o pedido e me indagou: você é filha de quem? Seria da Dona Eponina, aquela senhora elegante que mora na casa de cima do Xopotó??!!
Elegante???
O quê??
Como? Levei um susto, n conhecia a palavra e, preocupadíssima, confirmei. Também, criada naquele estreito mundinho de interior mineiro, de pouco escutar conversa, de jamais poder ficar entre os adultos e sequer frequentar escola, o título de elegante, para definir mamãe, me soou absurdo, um verdadeiro mistério e uma curiosidade sem fim.
Tudo tão misterioso que guardei só comigo pois não tive coragem de indagar, a quem quer que fosse, o seu significado e continuei, anos a fio, carregando a preocupante dúvida para entender o seu novo título de Elegante!!
Mas, mal sabia eu, naquela idade da infância, que essa elegância dela já se fazia uma marca pessoal, diariamente, e em todos seus gestos e posturas.
Sem dúvida, foi muito distinta!!
A começar que era alta, esguia, sempre vestida na base do “comme il faut”, traços delicados e percebia-se sua personalidade educada, a cada momento.
Na verdade, convivíamos com sua elegância o tempo todo!
Falar alto; se levantar da mesa ou começar a refeição antes das visitas e ou adultos; entrar nas casas sem, antes, limpar os sapatos no capacho, cumprimentar ou falar licença; esquecer de pedir a bendita benção aos avós, nem pensar!
Jamais!
E quando qualquer um dos filhos agia errado, ou começava um tititi de briguinhas na casa, nada dela levantar a voz ou braços. Elegantemente, bastava seu olhar chamando juízo ao culpado, para que, discretamente, a harmonia voltasse em cena.
À mesa, jamais assentávamos antes dos adultos e nunca, nunca quando como anfitriões, podíamos terminar de comer, ou sair da sala primeiro que as visitas.
Era regra para se cumprir!!
Outra marcante distinção de sua postura elegante eram suas mãos! Estavam sempre posicionadas, postas delicadamente acima da cintura de forma a transmitir compreensão, calma. Não esqueço disto!!Nos últimos 7 de agosto ao nosso lado, quando indagávamos o que gostaria de ganhar de aniversário, com sua peculiar elegância e discrição respondia com a voz já baixinha, desgastada pelo tempo mas com imenso sorriso nos olhos: “meu melhor presente é a presença de todos”!!
Mas, elegante, elegante no mais verdadeiro sentido da palavra, ela foi mesmo, naquela madrugada em que, sem demonstrar desconforto, sem incomodar ninguém, sem chamar por qualquer dos filhos, sozinha no puro silêncio do seu quarto, elegantemente, ela se despediu de todos nós, dormindo para todo o sempre!!!
Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 139. 6.8.2022.
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