25 de dezembro de 2022

A Minha Divisão

Na minha lembrança, eu sequer tinha feito seis anos de idade. E falo isto porque ainda não estava matriculada no Grupo Padre Antônio Corrêa, meu sonho dourado da infância. Tudo porque, naquele tempo, principalmente em cidade do interior como a minha Visconde do Rio Branco, criança só ia para a escola no momento da alfabetização, não existia maternal ou pré-primário.

Então, eu bem sabia que lá em casa, de praxe, durante a semana, a divisão familiar começava cedo. Passado o café da manhã, era momento do agito da mamãe que, professora da Escola Normal, corria para dar conta de arrumar tudo e todos sem perder a sua hora.

Mas, caçula dos sete, por esta mera razão de idade, tinha que assistir quietinha, e triste, o vai e vem dos irmãos saindo de casa, menos eu que sempre ficava só com a vovó.

E lógico, esta divisão nunca me agradou.

Então, para mim, a expectativa maior era aguardar pelos domingos quando, movidos pela predominante religião católica, a família toda, como uma obrigação social, se unia para ir à missa das 8.

Eu adorava!

Afinal, era o exclusivo momento em que a idade me favorecia porque, dentro da Matriz São João Batista, nós, crianças menores e alunas de catecismo da Da Zilah Passos tínhamos o privilégio de nos sentarmos defronte ao altar.

Achava ótimo!

E eu me lembro bem de um dos domingos em que a programação seria muito mais significativa para mim pois, em tendo feito aniversário, uma tia, a Belmira Augusto, havia me convidado para o café da tarde na velha casa da família.

Vejam só, se dentro daquele meu minúsculo mundinho do sítio qualquer programa que me permitisse atravessar o portão já era sempre uma alegria e o que dizer deste?

O convite era meu, inteiro, sem divisão!

Com meu mais domingueiro dos vestidos, daqueles de organdi com laço debruado de “point ajour”, e fiel aos hábitos da tradicional educação mineira, chegamos cedinho, mamãe e eu, à casa que ficava no número 1 da antiga Rua da Saudade.

De entrada, deixamos os sapatos na porta e, em seguida, fui logo pedindo “a benção”.

A mesa estava linda. Era Agosto, meu mês, não faltou nem o famoso manjar do Natal branquinho com calda de caramelo e coberto de ameixas pretas.

Uma delícia!

Para completar, eu fui colocada ao lado da Tia que, afetuosamente, me deu um discreto abraço, acariciou meus cabelos e, no final, me entregou um envelope com uma nota novinha de 5 cruzeiros.

Que surpresa!!! Inacreditável!!

Foi a primeira vez, na vida, que havia ganhado um dinheiro assim, cédula na mão e só minha! Imagina alegria? Foi o máximo!

Um presente que me fez jamais esquecer o Barão de Rio Branco, que eu imaginei, até, viver em reinado e que ele fosse o proprietário da nossa cidade, a Visconde !!!!

Mas, vejam só, em seguida, quem diria, nas despedidas no portão, outra surpresa ... a Tia completou:

Elzinha, não se esqueça de dividir este dinheiro com a Elvira, promete?!"

Foi um choque, gente! Como assim? Ah não, de novo eu ter que enfrentar outra divisão?! Não tinha sequer matemática suficiente para um cálculo tão difícil!

Sem falar que, em segundos de segundos, já tinha feito planos perfeitos para sair dali correndo, pular o balaustre, atravessar a 28 de Setembro rodeando o belo Coreto e ir direto para a loja do Seu Juquita Caxiné comprar aquela boneca enorme, de plástico pintado.

Mas, obrigada a responder, emudecida, educadamente fiz apenas um “sim”, num balançar de cabeça, confirmando ter escutado o recado.

Triste, voltei para casa bem devagarinho para ganhar tempo e matutando meu raciocínio para achar alguma solução que me favorecesse resolver este problema, sem prejuízos, lógico.

Impossível!

Na base do pé ante pé, para que ninguém me visse ou indagasse algo, caladinha, entrei no quarto de costura da vovó, abri logo a primeira gaveta da velha máquina Singer.

E, segura de que havia descoberto a divisão certa, peguei a tesoura, cortei minha nota ao meio e entreguei metade para a Elvira.

E assim, cumpri a promessa feita à Tia!


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 136. 6.5.2022


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