25 de dezembro de 2022

A Samanea Inopinata e a Sucrière!!




Desde pequena, nascida que sou na minha querida, e inesquecível, Visconde do Rio Branco, cidade da Zona da Mata Mineira, ladeada por Guiricema, Guidoval e Ubá, percebo que herdei duas das mais conhecidas e marcantes características associadas aos mineiros: gostar de contar casos e de tomar café!!

Para mim, não pode faltar café, jamais, ele precisa estar sempre presente!!!  

E, bem-dito, passado na hora!! 

Afinal, foi pela Zona da Mata que o café entrou em Minas Gerais, por volta de 1707. Nunca mais saiu da mesa! 

A propósito, lembro que a minha velha casa, na chácara em Rio Branco, ficava literalmente nos pés dos trilhos da antiga Estrada de Ferro Leopoldina que nasceu em meados do século XIX, vejam só, justamente para substituir o velho transporte desses grãos, que, até então, era feito por tropas de mulas.

Tendo sido assim, tomar o café da tarde, principalmente no interior das Gerais, era hábito das antigas e sempre foi, para todos nós, mineiros de raiz profunda, o mais solene e sublime momento da casa.

Sem dúvida, o mais importante!!!

Eu adorava quando começava a escutar lá da nossa copa, o típico tilintar das xícaras que, em sendo barulho “pró café” sinalizava, com certeza, a presença de amigos, considerados mais família do que meros vizinhos, com crianças, lógico, para se juntarem a mim, enquanto os adultos trocavam casos ao redor da nossa mesa. 

Os convidados já sabiam, a senha inventada para não se atrasarem, era ficar atento ao apito da chaminé da bela São João, a Société Sucrière de Rio Branco, que retumbava diariamente no meio da tarde pela cidade inteira, lembrando ser hora do café. 

Nesse momento, mesmo encantada e feliz, não me distraia um segundo porque queria saber de tudo, e ficava de orelha em pé, naquela de tentar escutar um tiquinho, que fosse, da conversa grande. 

Também, era tão bom, momento tão feliz, tantas casos e risos que, até hoje, meu melhor programa é tomar café com amigos e, muito mais, se forem conterrâneos para podermos viajar, juntos, harmoniosamente, nas mesmas lembranças da infância.


E eu me lembro numa das vezes, há cerca de uns 20 anos, em que voltei com meu marido a Rio Branco e fomos, com a querida amiga D Therezinha Almeida, quem muito admiramos, tomar um café na 28 de setembro.

Entre um gole e outro, eu comecei a contar um dos passeios mais interessantes e pitorescos que havia feito com minha avó Neném, por volta dos meus 6 anos de idade.

O convite era para almoço na casa & fazenda onde morava o Sr. Henrique Almeida, Administrador da Usina e tio dela.


Era a única criança e três fatos haviam marcado aquele domingo para sempre: primeiro, porque viajei aboletada num trolley da Usina São João, carregado de cana caiana e eu lá em cima, no topo. 

Foi o máximo! Viagem inesquecível!! 

Embarcamos de dentro da Usina e, devagarzinho, o pequeno trolley foi serpenteando as fazendas e canaviais.   

Segundo: porque na hora de servir o almoço, a esposa dele, D Marieta, gentilmente me deu a mão e me levou para o jardim e me disse: você vai almoçar ali!! 

O “ali,” incrível, não era qualquer ali!

Era uma bela casinha de bonecas, que eu nunca imaginei existir, e o que dirá, conhecer e poder estar dentro, naquela minha idade?? 

A alegria foi tamanha que perdi a fome e só queria ficar quietinha, curtindo na base do “lar doce lar” como se fosse minha, eternamente!!

Mas, durou pouco. Comentei que, após o almoço havia ficado indignada porque me tiraram da casinha para fazer um programa, sabem qual? Acreditem: “visitar uma árvore”. 

E, óbvio, não gostei da ideia! Imagina?!

Árvore era o que eu mais tinha na minha geografia mineira, adorava, conhecia todas, principalmente as frutíferas. Vivia numa chácara, balançando de galho em galho e meu espanto, naquele momento, foi até maior porque esta, em particular, mereceu todo um singular cerimonial. 

Lembro que, de mãos dadas, escutamos um pequeno discurso do  Sr Henrique e, depois, fizemos imensa roda em volta dela e, assim, ficamos um tempão, abraçando a árvore. 

Finalizando, contei para D Therezinha que este gesto, mesmo adulta, continuava
inexplicável, eu nunca tinha encontrado uma razão específica e foi quando ela se levantou e disse: “Elza e Carlos, venham, quero lhes mostrar uma coisa.”

Saímos de carro e pouco tempo depois estávamos em Guidoval, na Comunidade do Pombal, de frente da bela Samanea Inopinat, a popularmente conhecida Sete Cascas!

Quando imaginaria? Nunca!

Só mesmo, graças à D. Therezinha, com sua sensibilidade cultural, que eu pude entender a beleza daquele abraço e, mais ainda, da árvore. 

Tão majestosa, que no ano de 1800 já fora estudada pelo explorador Alexander Von Humboldt pela elegância e singularidade de seu tronco que chega a ter por volta de 1 metro de diâmetro, composto por pregas salientes.


Naquela época, a Samanea era jovem e Guidoval já tinha se preocupado em sacramentar sua importância com uma placa identificando a espécie. 

E, no último dia 28 setembro, a cidade comemorou seu centenário com a tradicional Festa da Árvore, atraente marco turístico que reúne toda a comunidade da região. 

E, Rio Branco, que pena! Triste! Não me conformo! Descuidou das suas galinhas de ovos de ouro. Não soube entender, e valorizar, o muito maior e extraordinário potencial turístico das suas Usinas!!

As Sucrières!!

Turismo é das mais importantes fontes de recursos para a economia tanto que, em Paris, existe até o tão atípico, quanto famoso, “Musée Des Égouts”, que exibe, subterraneamente, o secular sistema de água e esgoto da Cidade Luz.

Hoje, a nossa São João podia ser um pequeno que fosse, mas histórico, “Hotel & Museu do Açúcar”.

Mesmo desativada, não só todo seu passado de importância sócio-econômico para a nossa cidade, mas principalmente sua estrutura arquitetônica, sempre foi, por si só, belo monumento!!

Bastava Rio Branco ter feito dela um singular produto turístico!!

Mas, para mim, a infância não acaba nunca, principalmente agora, pós pandemia, que o futuro ficou perdido, o agora?...aflitivo mundialmente e sobrou, o meu passado, para me confortar. 

Eu estarei, sempre, caminhando pelos caldeirões da  Sucriére São João; pegando torrões de mascavo; viajando de trolley; sentadinha na casinha de bonecas e abraçando, demoradamente, a Samanea Inopinata!!


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 142. 4.11.2022.

A Minha Divisão

Na minha lembrança, eu sequer tinha feito seis anos de idade. E falo isto porque ainda não estava matriculada no Grupo Padre Antônio Corrêa, meu sonho dourado da infância. Tudo porque, naquele tempo, principalmente em cidade do interior como a minha Visconde do Rio Branco, criança só ia para a escola no momento da alfabetização, não existia maternal ou pré-primário.

Então, eu bem sabia que lá em casa, de praxe, durante a semana, a divisão familiar começava cedo. Passado o café da manhã, era momento do agito da mamãe que, professora da Escola Normal, corria para dar conta de arrumar tudo e todos sem perder a sua hora.

Mas, caçula dos sete, por esta mera razão de idade, tinha que assistir quietinha, e triste, o vai e vem dos irmãos saindo de casa, menos eu que sempre ficava só com a vovó.

E lógico, esta divisão nunca me agradou.

Então, para mim, a expectativa maior era aguardar pelos domingos quando, movidos pela predominante religião católica, a família toda, como uma obrigação social, se unia para ir à missa das 8.

Eu adorava!

Afinal, era o exclusivo momento em que a idade me favorecia porque, dentro da Matriz São João Batista, nós, crianças menores e alunas de catecismo da Da Zilah Passos tínhamos o privilégio de nos sentarmos defronte ao altar.

Achava ótimo!

E eu me lembro bem de um dos domingos em que a programação seria muito mais significativa para mim pois, em tendo feito aniversário, uma tia, a Belmira Augusto, havia me convidado para o café da tarde na velha casa da família.

Vejam só, se dentro daquele meu minúsculo mundinho do sítio qualquer programa que me permitisse atravessar o portão já era sempre uma alegria e o que dizer deste?

O convite era meu, inteiro, sem divisão!

Com meu mais domingueiro dos vestidos, daqueles de organdi com laço debruado de “point ajour”, e fiel aos hábitos da tradicional educação mineira, chegamos cedinho, mamãe e eu, à casa que ficava no número 1 da antiga Rua da Saudade.

De entrada, deixamos os sapatos na porta e, em seguida, fui logo pedindo “a benção”.

A mesa estava linda. Era Agosto, meu mês, não faltou nem o famoso manjar do Natal branquinho com calda de caramelo e coberto de ameixas pretas.

Uma delícia!

Para completar, eu fui colocada ao lado da Tia que, afetuosamente, me deu um discreto abraço, acariciou meus cabelos e, no final, me entregou um envelope com uma nota novinha de 5 cruzeiros.

Que surpresa!!! Inacreditável!!

Foi a primeira vez, na vida, que havia ganhado um dinheiro assim, cédula na mão e só minha! Imagina alegria? Foi o máximo!

Um presente que me fez jamais esquecer o Barão de Rio Branco, que eu imaginei, até, viver em reinado e que ele fosse o proprietário da nossa cidade, a Visconde !!!!

Mas, vejam só, em seguida, quem diria, nas despedidas no portão, outra surpresa ... a Tia completou:

Elzinha, não se esqueça de dividir este dinheiro com a Elvira, promete?!"

Foi um choque, gente! Como assim? Ah não, de novo eu ter que enfrentar outra divisão?! Não tinha sequer matemática suficiente para um cálculo tão difícil!

Sem falar que, em segundos de segundos, já tinha feito planos perfeitos para sair dali correndo, pular o balaustre, atravessar a 28 de Setembro rodeando o belo Coreto e ir direto para a loja do Seu Juquita Caxiné comprar aquela boneca enorme, de plástico pintado.

Mas, obrigada a responder, emudecida, educadamente fiz apenas um “sim”, num balançar de cabeça, confirmando ter escutado o recado.

Triste, voltei para casa bem devagarinho para ganhar tempo e matutando meu raciocínio para achar alguma solução que me favorecesse resolver este problema, sem prejuízos, lógico.

Impossível!

Na base do pé ante pé, para que ninguém me visse ou indagasse algo, caladinha, entrei no quarto de costura da vovó, abri logo a primeira gaveta da velha máquina Singer.

E, segura de que havia descoberto a divisão certa, peguei a tesoura, cortei minha nota ao meio e entreguei metade para a Elvira.

E assim, cumpri a promessa feita à Tia!


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 136. 6.5.2022


O Melhor da Festa

O convite chegou totalmente de repente!
Foi uma absoluta surpresa abrir o computador, naquela noite, e encontrá-lo.
Afinal, tempos, meses, que ler e-mails já não fazia mais parte do meu cotidiano. Ficava semanas, tranquilamente, sem olhar. 
Mas, nesse dia, foi demais! 
Foi muito bom!!

Era para festa de aniversário de 70 anos de uma prima muito querida e que eu não encontrava há décadas. Prima especial, vizinha da infância mas que eu nunca ia imaginar que se lembraria de me incluir na sua lista de convidados.

Falo isto porque saí da minha cidade natal, Visconde do Rio Branco, interior de Minas, ainda aos 11 anos de idade. Nos mudamos para Brasília e, com o tempo passando, a vida na Capital foi me apresentando novos rumos e Rio Branco ficando cada dia mais longe de mim.

Mas a alegria de ver o convite foi estupenda!! 

E, antes mesmo de pensar em qualquer senão que me impedisse de ir, antes mesmo de consultar até a agenda da família, eu imediatamente confirmei presença respondendo: iremos, sim, lógico, Carlos e eu!!! 

Daí para a frente, passei a viver em harmonia diária com a velha frase de que: “o melhor da festa é esperar por ela”.

Assim foi...eu não conseguia pensar em outra coisa. O local seria em Aracaju, meados de junho de 2019, em pleno dia do mais famoso forró Nordestino!

Para completar, acreditem, o convite registrou bem claro que o tema seria uma volta aos anos 60: Movimento Hippie!!!

Maravilha!!

Seria a mais rara e especial oportunidade de poder usar, novamente, o vestido hippie, feito pela minha mãe e guardado, que estava, desde quando eu tinha 15 anos! 

Vejam só a coincidência!! Era mesmo para eu ir!

Passagens compradas, avisei à Prima que, carinhosamente, ainda se preocupou em “rechear“ um pouco mais o convite nos avisando que a hospedagem dos convidados de fora, os viajantes, seria na casa grande dela, de praia. 

Tem espaço para todos, disse!!

Eu bem que gostaria de aceitar mas criada com aquele excesso de cerimônia mineira, de mãe que teve 7, agradeci justificando que, para aproveitarmos o máximo, ficaríamos em Hotel.

Para compensar a minha “desfeita” ela avisou que, então, eu não escaparia de ser recepcionada por todos, no Aeroporto Internacional de Santa Maria, em Aracaju.

Adorei!!

O voo foi tranquilo. 

Quando o piloto avisou que iniciaria os procedimentos de descida, eu fiz questão de correr ao “toilet” para dar uma retocada final na maquiagem. Um pouquinho mais de batom... blush nas bochechas ... Meu marido ria, mas era importante caprichar no visual!! E como!! 

Com a ansiedade à flor da pele, fui a primeira, lógico, a descer as escadas já preparando aquele olhar 360 graus. 

Aprumei bem o corpo, levantei o pescoço e fui ...

Queria, num segundo, enxergar tudo e todos! 

Mas, pasmem, inacreditável, não havia, sequer, uma plaquinha, por mais simples que fosse, com nosso nome.  Tampouco mensagem no celular?!?

Mesmo contra minha vontade, braços e sorriso foram se fechando lentamente. E eu, não deu outra, morri de vergonha de mim.

Mas o vazio desta chegada, não imaginam, me trouxe a pior das dúvidas: será que acreditei demais naquele convite? 

Que exagerei nos sentimentos de saudades?

Que priorizei a vontade imensa deste programa acima do bom senso a tal ponto de só colocar, na mala, um único traje chique, de festa, o meu vestido hippie?? 

E agora, se ninguém corresponder ao “dress code”, anos 60? 

O quê que eu faço??

De Uber chegamos à casa da praia.

Bastou abrirem a porta para esquecermos, completamente, o vácuo da recepção no aeroporto. Eram tantos amigos chegando, tantos abraços fraternos e saudosos, tanto agito formando um verdadeiro mundinho mineiro em Aracaju, que acabaram distraindo a agenda da prima anfitriã que se esqueceu, até, de ir pegar a própria filha, no Santa Maria?!!! 

Foi perdoada!!!

De tarde, no continuar de entrada dos convidados, o clima já era de pura alegria, bem ao estilo Paz e Amor! E à noite, os parabéns foram num lindo clube todo decorado a propósito!

Não faltaram calças jeans; pantalonas boca de sino; batas indianas; barbas e cabelos longos presos por faixas coloridas; macacões jeans; óculos redondos enormes e até, acreditem, uma Janis Joplin perfeita para personalizar mais o ambiente e levar todos a se sentirem em plena juventude!!

Dentro de mim, então, me sentia orgulhosa e cheia de brilhos. Afinal, o vestido estava tão no ponto certo que indagavam se era novo.

A festa acontecia belíssima e parecia que não teria fim!! 

Tanto foi que, no dia seguinte, ainda continuou na praia. 

Em mesas distribuídas na areia, brisa leve, mar verde, estavam ali, todos os conterrâneos de novo reunidos para reviver a festa e, principalmente, recordar os velhos tempos.

E naquela de conversa vai e conversa vem, um primo me pediu para que eu lesse uma antiga crônica minha, na qual eu dava uma geral na infância. 

Mesmo surpreendida com o inusitado pedido, celular na mão, comecei logo a ler: 

 “...A cada crônica que escrevo sobre o Rio Branco percebo que saí dele faz muito tempo,             mas que ele não saiu de mim, jamais! Eu penso que ainda moro lá, na chácara da Mello Barreto, que vou acordar cedinho amanhã com o barulho dos bichos e abrirei as janelas para ver o terreiro coalhado de mangas Ubá, fresquinhas. 

E assim, nesta procura dentro do meu passado, eu, sem querer, sem qualquer planejamento ou despedidas, sem avisar sequer a mim mesma, comecei a viajar em lembranças e acabei me vendo, uniformizada, pasta de couro na mão, entrando no Grupo aos 7 anos de idade. 

A fila no Padre Corrêa era sempre por ordem de tamanho. 

Os braços tinham que ser esticados o máximo, para frente e lateral, até limitar, com absoluta precisão, a distância entre cada colega. Somente depois de perceber silêncio, harmonia e elegância de todos, é que Dona Yolanda Amim, a professora querida, começava o Hino Nacional... 

Mas, de repente, neste parágrafo da crônica, uma das convidadas, emocionada, se levanta e me diz: sou Graça Amim, D. Yolanda é a minha mãe!!

Não pude acreditar! Por segundos emudeci.

Como poderia imaginar tamanha coincidência? Mais ainda, perceber que ela usou verbo ser, no presente do indicativo, já me sinalizando que a professora estaria viva?!

Nem imaginava ter, dentro de mim, mais sentimento para acomodar tanta alegria! Inacreditável!  Todos se emocionaram!  Foi uma surpresa tão marcante, e extraordinária, que me fez voltar, em seguida, a Rio Branco, para abraçar a estimada Da Yolanda 57 anos depois do nosso último encontro, à época da minha formatura do primário.

Momento lindo!!!! Inesquecível!!! Foi O Melhor da Festa!!

E para todos os conterrâneos e amigos presentes, convidados da querida prima Moema, a festa não acabou!! Ficou para sempre, dentro de cada um de nós!!!

Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 130. 1.11.2021

Presente, No Meu Natal!


Eurico,

Que saudades de você!!

Que vontade imensa que hoje fosse Natal e que eu pudesse lhe telefonar cedinho e ir logo dando a “ordem do dia”, lembra? Era mesmo engraçado e só nós entendíamos este meu comando: “... coloque aquela camisa listrada de marinho e branco, ?? Não se esqueça, também, do perfume que lhe comprei e daquele sapato marrom novo, com a meia, quero você bem lindo nas fotos!

Ah, vamos marcar logo 7 e meia na esquina que sobe para o La Salle, porque não quero entrar na W3. OK? Um dos meninos vai lhe pegar.

E era assim que o dia 25 de dezembro começava entre nós!

Como era bom!

Já acordava animada. A mesa da ceia, eu gostava de ajeitar sempre de vésperas para testar cada brilho da decoração. A Vila do Papai Noel ficava no canto da direita, para que todos a vissem, logo de entrada. O centro, era sempre reservado para o velho presépio da nossa infância que todos os anos, não tem jeito, ainda me faz viajar nas lembranças. 

Pareço ver o caminhar feliz da gente, mãos dadas,indo com a mamãe lá na beneficiadora do Sr. Carlos Soares para pedir dois montinhos de arroz com casca. Em casa, a gente os ajeitava no prato fundo esmaltado, forrado com algodão molhado, e não mais do que 3 meses eram necessários para que virassem uma matinha verde, de 10 cm de altura, que faria sombra à manjedoura.

Até pouco tempo atrás, eu ainda tinha o pedaço de espelho que ela usava para simular o laguinho dos patos. 

Acredita? 

Era um charme esse detalhe!

De tarde, na copa, era hora de ajudarmos mamãe a fazer o Pão Dourado, aquele delicioso doce da nossa infância. O pão, o Sr Acássio já sabia, tinha que ser de véspera.

Quando a noite ia chegando, ela escolhia um de nós para acender, com a velha caixinha Fiat Lux, a vela do presépio que daria o clima de noite de lua e com estrelas, para bem iluminar o caminho dos três reis magos.

O menino Jesus, isto já era tradição das antigas, ficava sempre escondido em algum cantinho e só podia nascer na hora em que, juntinhos ao presépio na sala da frente da casa, escutávamos mamãe com suas orações.

Pequenos que éramos, esse momento era enorme, gigante! E não era nada fácil ficar quieto, de joelhos, com aqueles vestidos de organdi piniquento paratentar entender a política dos seus perdões, que abrandava qualquer erro dos adultos, e conseguir acompanhar seus pensamentos sem conversa, olhinhos de lado e muita curiosidade.

Afinal, o importante para nós eram os presentes e o poder sair correndo, depois, exibindo alegria de criança que acreditava em Papai Noel. 

Para mim, nada de bonecas caras, mas uma coisa eu fazia questão: que fosse só minha e que tivesse diâmetro suficiente para se ajustar ao meu colo decriança.

E surgia sempre, nunca soubemos por qual dos milagres, carrinhos, caixinhas de bolinhas de gude, panelinhas, sabonetes para a vovó e bonecas de papelão, das imensas, com vestidinhos de retalhos iguais aos nossos, barrados e engomados com calda de maizena.

E assim, de lembranças em lembranças, eu ia terminando a minha mesa...: o Chester com farofa de miúdos bem molhadinha e enfeitado com os fios de ovos que refletia um lindo dourado em tudo; a tábua de frios sortidos; cesta de frutas; o tender caramelado com rodelas de abacaxi e cravos da índia; figos frescos; a bandeja de rabanadas que você gostava de comer antes da ceia e o som, bem natalino, alegrando todo o ambiente.

Eu deixava para o final o meu famoso, modéstia àparte, e bem disputado, bolo de nozes com cobertura de creme inglês. Lembra?

Tudo pronto e era a hora de começarmos o nosso tão alegre brinde.

Antes, porém, no meio da tamanha confusão de conversas, você pedia tempo para dar uma geral na família e perguntar, por cada um, usando o nome duplo das Marias, de nós irmãs, e incluindo a imensa lista de sobrinhos.

Com seu famoso sorriso, queria notícias de todos, até dos vizinhos, menos amigos do que meros moradores do lado. Você demonstrava a satisfação, por tudo e por todos.

Mas agora?? Brindar como Eurico? Brindar o quê?... diante de tantas saudades que sinto de você? Faz dias que lhe procuro e não o encontro. Como conseguiu sumir assim do nada, se fomos todos juntinhos, naquele dia 5 de agosto?

Precisamos programar as festas de final de ano e, por favor, onde quer que esteja, não se esqueça jamais, que estará semprePresente NMeu Natal


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 131. 8.12.2021

Elegante


Eu tinha no máximo 6 anos de idade.

Nós morávamos na minha querida Visconde do Rio Branco, Zona da Mata Mineira, numa chácara próxima à Rua Melo Barreto que hoje é o famoso Clube dos Bancários.

Naquela época, final da década de 50, o Xopotó, nosso mar mineiro; a Estrada de Ferro da Leopoldina e o Campinho de Futebol da velha Cooperativa fundada pelo Dr Correia Dias, faziam divisas conosco.

Também, havia, defronte, a Oficina do Sr Wilson e, na lateral da direita, os vizinhos eram a família Machado, da conhecida “Pensão do Seu Totônio Machado, cuja mulher, a Dona Rosinha, confeccionava as belas asas para as crianças-anjinho coroarem Nossa Senhora.

E era comum, vez ou outra, comprarmos marmita da Pensão.

Em sendo assim, eu bem sabia, que quando o delicado me chamar por “Elzinha” era deixado de lado pela vovó Neném, e que ela usava o meu prenome completo:”” Elza Maria””??!!, vichi... era sinal de algum trabalho e tinha mesmo que sair no galope, criar asas nos pés, para não atrasar ao chamado.

De praxe, a lista de afazeres era sempre a mesma: bater nata para fazer manteiga naquelas latas de Gordura de Coco Carioca que viviam engorduradas e deslizando das minhas mãos miúdas, achava uma chatice... ; prender o “bendito” Perigo no canil para, depois, abrir o galinheiro e espalhar farelo no quintal da frente; colocar água nas gaiolas dos Pintassilgos-mineiro ... e, ai de mim se n desse conta direitinho de tudo isto. Rolava castigo , sem dúvida.

Mas, nessa manhã, o rol de obrigações foi maior e bem mais responsável!! 

Na falta da Marfízia, a empregada de décadas, fui a escolhida para fazer um “delivery”, veja só, uma criança, tinha que buscar a janta na vizinha Pensão do Seu Totônio.

Para começar, o caminho era estreito, cheio de Picão-da-praia; Carrapicho de Carneiro; Meloso dos compridos e touceiras de capim Brachiaria que, além de piniquentos, soltavam aquelas sementes pretinhas que ficavam dias grudadas dos pés aos cabelos.

E lembro como se fosse agora, dependurada na cerca de bambu Taquara que fazia a divisa dos terrenos, gritando a encomenda do único prato da casa: o famoso PF Completo.

Logo apareceu uma servente, bem novata, que, estranhando ter q entregar a marmita para mim, criança, preferiu conferir o pedido e me indagou: você é filha de quem? Seria da Dona Eponina, aquela senhora elegante que mora na casa de cima do Xopotó??!!

Elegante???

O quê??

Como? Levei um susto, n conhecia a palavra e, preocupadíssima, confirmei. Também, criada naquele estreito mundinho de interior mineiro, de pouco escutar conversa, de jamais poder ficar entre os adultos e sequer frequentar escola, o título de elegante, para definir mamãe, me soou absurdo, um verdadeiro mistério e uma curiosidade sem fim.

Tudo tão misterioso que guardei só comigo pois não tive coragem de indagar, a quem quer que fosse, o seu significado e continuei, anos a fio, carregando a preocupante dúvida para entender o seu novo título de Elegante!!

Mas, mal sabia eu, naquela idade da infância, que essa elegância dela já se fazia uma marca pessoal, diariamente, e em todos seus gestos e posturas.

Sem dúvida, foi muito distinta!!

A começar que era alta, esguia, sempre vestida na base do “comme il faut”, traços delicados e percebia-se sua personalidade educada, a cada momento.

Na verdade, convivíamos com sua elegância o tempo todo! 

Falar alto; se levantar da mesa ou começar a refeição antes das visitas e ou adultos; entrar nas casas sem, antes, limpar os sapatos no capacho, cumprimentar ou falar licença; esquecer de pedir a bendita benção aos avós, nem pensar!

Jamais!

E quando qualquer um dos filhos agia errado, ou começava um tititi de briguinhas na casa, nada dela levantar a voz ou braços. Elegantemente, bastava seu olhar chamando juízo ao culpado, para que, discretamente, a harmonia voltasse em cena.

À mesa, jamais assentávamos antes dos adultos e nunca, nunca quando como anfitriões, podíamos terminar de comer, ou sair da sala primeiro que as visitas.

Era regra para se cumprir!!

Outra marcante distinção de sua postura elegante eram suas mãos! Estavam sempre posicionadas, postas delicadamente acima da cintura de forma a transmitir compreensão, calma. Não esqueço disto!!

Nos últimos 7 de agosto ao nosso lado, quando indagávamos o que gostaria de ganhar de aniversário, com sua peculiar elegância e discrição respondia com a voz já baixinha, desgastada pelo tempo mas com imenso sorriso nos olhos: “meu melhor presente é a presença de todos”!!

Mas, elegante, elegante no mais verdadeiro sentido da palavra, ela foi mesmo, naquela madrugada em que, sem demonstrar desconforto, sem incomodar ninguém, sem chamar por qualquer dos filhos, sozinha no puro silêncio do seu quarto, elegantemente, ela se despediu de todos nós, dormindo para todo o sempre!!!


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição n. 139. 6.8.2022.


18 de julho de 2018

Era uma vez




Sempre que me dá vontade de escrever uma crônica eu preciso mesmo é de voltar à infância, aos meus exatos seis anos. Idade em que, segundo mamãe, conseguir dar o laço na Alpargatas Rodas era absoluta referência de maturidade. Era mesmo.

Daí para frente, acreditem, estava garantida a matrícula no Grupo e podíamos atravessar a porta da frente da casa; cruzar os limites do jardim e encontrar a rua, sozinhos. O máximo! Marco, que não dá para esquecer jamais!

Basta eu, agora, fechar bem meus olhos e em segundos chego de novo à beirinha do Xopotó, meu inesquecível “mar” da infância. Ah, como é bom ficar aqui nesta terrinha fértil, úmida, quietinha e cheia de perfumes onde comecei a criar a minha história. O dia na minha casa amanhecia junto do por do sol, acreditem!

Meu dia era a noite e minha noite não parecia ter fim... Sabem porquê? Porque às seis da tarde era quando eu me aninhava na maciez do colo da minha mãe, que saudades... e ela começava:

- “Elzinha: Era uma vez uma menininha que morava aqui, na chácara da Mello Barreto, na sua verdadeira brinquedoteca, tudo é dela.”

E eu sou mesmo, a dona, sozinha, dessa imensa natureza que me rodeia.

O pular corda? Basta eu pegar um montinho desse cipoal aqui, que margeia a velha cerca de bambu; deixar curtir um dia enroladinho na beira do fogão à lenha da cozinha e o brincar já está garantido, por meses e meses!!

Bambolê? Hum, quem diria? Faço num minutinho de lasca de bambu novinho, amarrado com barbante que sobra dos embrulhos de pão da padaria do Acácio. E pronto! Por dias, balançando na minha cintura, tenho a certeza exata de ver, feliz, que é o mundo que gira ao meu redor, exclusivamente para mim.

Aqui, na direção da casa da D. Rosinha, está a minha plantação de cana de açúcar caiana. Dessas touceiras, fabrico o brinquedo que mais gosto mas que nunca teve nome. Num faz falta! Ele se resume apenas nisso, veja só: num pedaço de sabugo de caiana velha, bem murchinho, bem sequinho, onde enfio esse arame dobrado em forma de ponto de exclamação.  Depois?! Basta eu pegar essa tampinha verde, da lata da Gordura de Coco Carioca Brasil e sair disputando velocidade comigo mesma e, nessa de ir guardando lembranças, passo o dia correndo e equilibrando essa tampa.  Muito bom!

Dos bambus armados em papel crepom, colados com grude feito de maizena pela mamãe, eu fabrico os lindos papagaios. Lindos e que voam de verdade! Sobem tão alto quanto os pássaros. Com eles eu vôo junto, eu viajo sempre, como agora, aqui, onde embarco.

Veja só, lá embaixo é a pensão do Sr Tôtonio; o velho pontilhão que cruzo sempre com muito medo; depois, a rua do Divino onde, à esquerda, olhem bem, é a casa da Dodoca com seu lindo presépio. Continuando, sobrevôo a 28 de Setembro bem devagar para poder enxergar o sol clareando todo o sobrado da querida Tia Pequita. Que lindo ver aqui do alto!

Mais adiante, a velha matriz. Até já ouço baixinho o belo hino do Ângelus anunciando o entardecer e me alertando ser hora de voltar para casa. Afinal, o Rio Branco inteiro, em posição de sentido e respeito aos velhos dogmas, já se faz quieto... Que pena! Tenho mesmo que voltar...

Embarco e desço na beirada da linha, obedecendo o velho conselho de nunca atravessar, sozinha, os trilhos da Leopoldina. O perfume da tarde ainda guarda o delicioso cheiro de dezembro, das mangas ubá.

Mas, cadê tudo que é só meu? Cadê meu parque de diversões? Minha alegria? Meu pula corda, meu bambolê? A velha touceira das caianas? Era aqui! Nada?... O que é isso? Como assim?! Que escuridão é essa, absoluta, no meu velho mundo da infância? Não escuto nem o tilintar de marmitas, típico da hora do jantar.  Grito pela mamãe. Que atraso é esse? Cadê você? Preciso me aninhar na maciez do seu colo, sentir seu aconchego...  

Não, não quero e não vou acreditar, jamais, que o tempo passou e que a estória virou verdade e que tudo, tudo, para sempre mesmo, Elzinha, Era uma vez!


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição 135, 5.4.2022. 

16 de fevereiro de 2014

Nothing is perfect!


   Quanto mais quente melhor ... nothing is perfect.


No meu mundo da infância , o universo parecia ter apenas dois   “”pontos””  cardeais: direita e esquerda. Era tudo tão pequeno, tão de interior mineiro que esse sentido de lateralidade se aprendia antes mesmo da idade da razão e, daí para frente, mesmo andando sozinhos, estávamos no prumo e tudo dava certo.  

            Tudo era perfeito!

Os pontos de referência eram poucos, mas da maior importância! E para seguí-los,  bastava eu atravessar o portão da minha casa, dar uma virada de corpo para um, ou outro lado e caminhar para a frente.  Não tinha mesmo como perder o rumo.

A esquerda, até q não me agradava tanto, era a saída de Rio Branco. Mas a direita??!  Engraçado ... pode ser pura coincidência, mas na geografia da minha cidade, ela sempre teve muito mais poder. A começar, que na época, esse era o lado do mais significativo destino de todos: o destino da fé. A Igreja matriz São João Batista se destacava no topo da praça e todos os programas giravam em torno dela.

Para mim, então, vivendo na quietude da chácara, chegar à Matriz nos fins de semana significava chegar ao mundo inteiro!  Enquanto a família assistia à missa das 8hs, eu encontrava todas as crianças e ficava brincando no balaustre esperando a hora do programa que eu mais gostava; a matinêe no Cine Brasil. Eu adorava!

            E nada me faz esquecer o filme Quanto mais Quente Melhor!

          Vestida de amarelo de broderi com lacinho de gorgurão na frente;  sapato pretinho de verniz;  conjunto de ban-lon herdado da prima Cristina; grapette e saquinho de pipoca,  lá nos sentamos, mamãe e eu, na primeira fila.

          Risos, nesse filme, foi o que não faltou! Quase ainda escuto nossas gargalhadas com a confusão do Jack Lemmon que, fantasiado de mulher para conseguir emprego, acaba vítima da paixão de um milionário que tudo faz para se casar com ele. Promete rios e fundos, faz planos para o casamento ... para a lua de mel ... para os filhos que terão...

Aflito, Lemmon tenta ainda explicar de qualquer jeito, que não pode se casar com ele, que não pode aceitar nada disto e mais do que tudo,  que não pode messssmo, porque é homem!!.

Embevecido de paixão, o apaixonado não se espanta e responde com a maior naturalidade: nothings is perfect ... e continua com seus planos!!! 

Saímos do cinema e seguimos rindo pelo caminho de casa. E até hoje,  percebo, o Quanto Mais Quente Melhor não me saiu de cena!!

Todas as vezes, enquanto pude, que reclamei da vida para a minha mãe ela me fazia voltar ao filme, por menos cômico que fosse meu problema. Eu dizia: mas como isto foi acontecer, mamãe? Eu pensei em tudo com detalhes ...,  eu programei da melhor forma... eu procurei o melhor script para que fosse completamente um happy end ... Ela, bem sábia e experiente de tantos anos vividos na base dos ups and downs me olhava, fazia um compreensivo balançar de cabeça e me consolava da forma mais alegre: 

Elzinha, lembre-se para sempre: nothing is perfect!!!


Les grandes et pures affections ont cela de beau, qu'après le bonheur de les avoir éprouvées, il reste le bonheur de s'en souvenir.”  Alexandre Dumas!!!


Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição 138, de 6.7.2022.
Publicada no blog "Maria Cobogó" em 16.8.2021 - https://mariacobogo.com.br/nothing-is-perfect/
Publicado no Jornal da ANE (Associação Nacional de Escritores), Edição n. 90, de novembro de 2018. https://www.anenet.com.br/wp-content/uploads/2018/11/Jornal_ANE_90_ANE_impressao.pdf
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