1 de agosto de 2010

Que saudades de você


Eurico,

Que saudades de você!!

Que vontade imensa que hoje fosse Natal e que eu pudesse lhe telefonar cedinho e ir logo dando a “ordem do dia”, lembra? Era mesmo engraçado e só nós entendíamos este meu comando: “... coloque aquela camisa listrada de marinho e branco, tá?? Não se esqueça, também, do perfume que lhe comprei e daquele sapato marrom novo, com a meia, quero você bem lindo nas fotos!

Ah, vamos marcar logo 7 e meia na esquina que sobe para o La Salle, porque não quero entrar na W3. OK? Um dos meninos vai lhe pegar.

E era assim que o dia 25 de dezembro começava entre nós!

Como era bom!

Já acordava animada.
A mesa da ceia, eu gostava de ajeitar sempre de vésperas para testar cada brilho da decoração. A Vila do Papai Noel ficava no canto da direita, para que todos a vissem, logo de entrada. O centro, era sempre reservado para o velho presépio da nossa infância que todos os anos, não tem jeito, ainda me faz viajar nas lembranças. Pareço ver o caminhar feliz da gente indo com a mamãe lá na beneficiadora do Sr. Carlos Soares para pedir dois montinhos de arroz com casca. Em casa, a gente os ajeitava no prato fundo esmaltado, forrado com algodão molhado, e não mais do que 3 meses eram necessários para que virassem uma matinha verde, de 10 cm de altura, que faria sombra à manjedoura.

Até pouco tempo atrás, eu ainda tinha o pedaço de espelho que ela usava para simular o laguinho dos patos. Acredita? Era um charme esse detalhe!

De tarde, na copa, era hora de ajudarmos mamãe a fazer o pão dourado, aquele delicioso doce da nossa infância.

Quando a noite ia chegando, ela escolhia um de nós para acender, com a velha caixinha Fiat Lux, a vela do presépio que daria o clima de noite de lua e com estrelas, para iluminar o caminho dos três reis magos.

O menino Jesus, isto já era tradição das antigas, ficava sempre escondido em algum cantinho e só podia nascer na hora em que, juntinhos ao presépio na sala da frente da casa, escutávamos mamãe com suas orações.

Pequenos que éramos, esse momento era enorme e não era nada fácil ficar quieto, de joelhos, com aqueles vestidos de organdi piniquento e tentar entender a política dos seus perdões, que abrandava qualquer erro dos adultos, e conseguir acompanhar seus pensamentos sem conversa, olhinhos de lado e muita curiosidade.

Afinal, o importante eram os presentes e o poder sair correndo, depois, exibindo alegria de criança que acreditava em Papai Noel. Para mim, nada de bonecas caras, mas uma coisa eu fazia questão: que fosse só minha e que tivesse diâmetro suficiente para se ajustar ao meu colo de menina.

E surgia sempre, não sabemos por qual dos milagre, carrinhos, caixinhas de bolinhas de gude, panelinhas, sabonetes para a vovó e bonecas de papelão, das imensas, com vestidinhos de retalhos dos nossos, barrados e engomados.

E assim, de lembranças em lembranças, eu ia terminando a minha mesa...: o chester com farofa de miúdos bem molhadinha e enfeitado com os fios de ovos que refletia um lindo dourado em tudo; a tábua de frios sortidos; cesta de frutas; o tender caramelado com rodelas de abacaxi, figos frescos, ameixas pretas e cravos da índia; a bandeja de rabanadas que você gostava de comer antes da ceia e o som, bem natalino, alegrando o ambiente.

Eu deixava para o final, o meu famoso, modéstia ä parte, e bem disputado, bolo de nozes com cobertura de creme inglês. Lembra?

Tudo pronto e era a hora de começarmos o nosso tão alegre brinde.

Antes, porém, no meio da tamanha confusão de conversas, você pedia tempo para dar uma geral na família e perguntar, por cada um, usando o nome duplo das Marias, de nós irmãs, e incluindo a imensa lista de sobrinhos.

Com seu famoso sorriso, queria notícias de todos, até dos vizinhos, menos amigos do que meros moradores do lado. Você demonstrava a satisfação, por tudo e por todos.

Mas agora?? Brindar como Eurico? Brindar o quê?... diante de tantas saudades que sinto de você?

Faz dias que lhe procuro e não o encontro. Como conseguiu sumir assim do nada, se fomos todos juntos, no dia 5 de agosto???

Precisamos programar as festas de final de ano e, por favor, quero você sempre presente no meu Natal!!!

Meu beijo,

Elza

Um comentário:

  1. muito significativo seu relato...muitas saudades e ternura! realmente,é um pedaço de nós que se vai.
    bju

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