Sempre
que me dá vontade de escrever uma crônica eu preciso mesmo é de voltar à
infância, aos meus exatos seis anos. Idade em que, segundo mamãe, conseguir dar
o laço na Alpargatas Rodas era absoluta referência de maturidade. Era mesmo.
Daí
para frente, acreditem, estava garantida a matrícula no Grupo e podíamos
atravessar a porta da frente da casa; cruzar os limites do jardim e encontrar a
rua, sozinhos. O máximo! Marco, que não dá para esquecer jamais!
Basta
eu, agora, fechar bem meus olhos e em segundos chego de novo à beirinha do
Xopotó, meu inesquecível “mar” da infância. Ah, como é bom ficar aqui nesta
terrinha fértil, úmida, quietinha e cheia de perfumes onde comecei a criar a
minha história. O dia na minha casa amanhecia junto do por do sol, acreditem!
Meu
dia era a noite e minha noite não parecia ter fim... Sabem porquê? Porque às seis
da tarde era quando eu me aninhava na maciez do colo da minha mãe, que saudades...
e ela começava:
- “Elzinha: Era uma vez uma menininha que morava
aqui, na chácara da Mello Barreto, na sua verdadeira brinquedoteca, tudo é dela.”
E
eu sou mesmo, a dona, sozinha, dessa imensa natureza que me rodeia.
O
pular corda? Basta eu pegar um montinho desse cipoal aqui, que margeia a velha
cerca de bambu; deixar curtir um dia enroladinho na beira do fogão à lenha da
cozinha e o brincar já está garantido, por meses e meses!!
Bambolê? Hum, quem diria? Faço num minutinho de lasca
de bambu novinho, amarrado com barbante que sobra dos embrulhos de pão da
padaria do Acácio. E pronto! Por dias, balançando na minha cintura, tenho a
certeza exata de ver, feliz, que é o mundo que gira ao meu redor,
exclusivamente para mim.
Aqui,
na direção da casa da D. Rosinha, está a minha plantação de cana de açúcar
caiana. Dessas touceiras, fabrico o brinquedo que mais gosto mas que nunca teve
nome. Num faz falta! Ele se resume apenas nisso, veja só: num pedaço de sabugo
de caiana velha, bem murchinho, bem sequinho, onde enfio esse arame dobrado em
forma de ponto de exclamação. Depois?! Basta
eu pegar essa tampinha verde, da lata da Gordura de Coco Carioca Brasil e sair
disputando velocidade comigo mesma e, nessa de ir guardando lembranças, passo o
dia correndo e equilibrando essa tampa. Muito
bom!
Dos
bambus armados em papel crepom, colados com grude feito de maizena pela mamãe,
eu fabrico os lindos papagaios. Lindos e que voam de verdade! Sobem tão alto
quanto os pássaros. Com eles eu vôo junto, eu
viajo sempre,
como agora, aqui, onde embarco.
Veja
só, lá embaixo é a pensão do Sr Tôtonio; o velho pontilhão que cruzo sempre com
muito medo; depois, a rua do Divino onde, à esquerda, olhem bem, é a casa da
Dodoca com seu lindo presépio. Continuando, sobrevôo a 28 de Setembro bem
devagar para poder enxergar o sol clareando todo o sobrado da querida Tia
Pequita. Que lindo ver aqui do alto!
Mais
adiante, a velha matriz. Até já ouço baixinho o belo hino do Ângelus anunciando
o entardecer e me alertando ser hora de voltar para casa. Afinal, o Rio Branco inteiro,
em posição de sentido e respeito aos velhos dogmas, já se faz quieto... Que
pena! Tenho mesmo que voltar...
Embarco
e desço na beirada da linha, obedecendo o velho conselho de nunca atravessar, sozinha, os trilhos da Leopoldina. O perfume da tarde ainda guarda o delicioso
cheiro de dezembro, das mangas ubá.
Mas,
cadê tudo que é só meu? Cadê meu parque de diversões? Minha alegria? Meu pula
corda, meu bambolê? A velha touceira das caianas? Era aqui! Nada?... O que é
isso? Como assim?! Que escuridão é essa, absoluta, no meu velho mundo da
infância? Não escuto nem o tilintar de marmitas, típico da hora do jantar. Grito pela mamãe. Que atraso é esse? Cadê
você? Preciso me aninhar na maciez do seu colo, sentir seu aconchego...
Não,
não quero e não vou acreditar, jamais, que o tempo passou e que a estória virou
verdade e que tudo, tudo, para sempre mesmo, Elzinha, Era uma vez!
Publicado no jornal ''A nova Imprensa" de Visconde do Rio Branco/Minas Gerais-MG, Edição 135, 5.4.2022.