A mudança
A cada crônica que escrevo sobre o Rio Branco percebo que saí dele faz muito tempo, mas que ele não saiu de mim jamais!
Eu penso que ainda moro lá na chácara da Mello Barreto, que vou acordar cedinho amanhã com o barulho dos bichos e abrirei as janelas para ver o terreiro coalhado de mangas ubá fresquinhas.
Eu não consigo deixar de me ver menina, bem sapeca e feliz, correndo a disputar velocidade com o vento como que, se assim, fosse impossível deixá-lo passar por mim e virar tudo lembranças.
Na verdade, eu preciso agora é de recordar o dia em que a mamãe me contou que mudaríamos. Nós voltávamos da missa, programa nosso de todo domingo, quando ela tocou no assunto com uma peculiar cerimônia, de mãe mineira, que não sabia muito bem como aquela notícia ia ser aceita por mim: “...Elzinha, sabia que vamos nos mudar para a Capital do Brasil?? Para Brasília?
Na hora, preocupada com a surpresa do meu silêncio, ela continuou ilustrando a notícia ... a cidade é linda, acabou de ser construída, fica no meio do Brasil, você terá uma escola novinha,
muitos amigos para fazer e, eu prometo: passaremos nossas férias aqui, no sobrado.
Com meus pensamentos ainda de criança, eu não tive dúvida de que a mudança seria uma imensa caixa, com todo o meu Rio Branco embrulhado dentro. Poderia abrí-la, a qualquer momento.
Nada me faria falta! Nada ficaria para trás!!
Levaria tudo e todos que faziam parte do meu universo e, até mesmo, aquele clima quentinho e de brisa fresca, típico da serra da Piedade, que percorria a casa, sempre no final do dia.
Afinal, eu jamais imaginaria abandonar o que quer fosse e que me fazia tão absolutamente feliz!
Eu jamais imaginaria que a gente pudesse vir a mudar, e o quê dizer de “mudar de casa.”?
Não! Impossível! Casa, para mim, era sinônimo de um teto eterno.
Era nossa identidade maior!
Nascíamos com ela, para sempre.
Mesmo acreditando assim, no dia a dia, a programação da família foi, aos poucos, embalando o meu destino...
Tudo pronto, quatro horas da manhã, mamãe, Elvira, Edila e eu embarcamos, na maior expectativa e alegria de vida, na Companhia Real, rumo aos 1500Kms que nos esperavam de estrada.
Mas, de surpresa, logo na esquina da Praça 28 de setembro, houve uma parada inesperada na viagem: Tia Pequita, contrariando a promessa de não haver despedidas, apareceu, entregou este lindo quadro pintado por uma prima e um lencinho, todo barrado em richelieu e, no centro, bordado por ela, a palavra saudade. Triste, nos deu seu discreto beijo.
Todos nós nos emocionamos baixinho ... e, neste momento, eu conheci a primeira decepção da minha vida: a infância, logo ela, o meu maior patrimônio, havia ficado para trás.
Era fevereiro de 1963, Rio Branco permaneceu quietinha, naquela madrugada de verão.
Publicada no blog "Maria Cobogó" em 31.5.2021 - https://mariacobogo.com.br/a-mudanca/
Publicado no Jornal da ANE (Associação Nacional de Escritores), Edição n. 88, de setembro de 2018. https://anenet.com.br/wp-content/uploads/2018/09/Jornal_ANE_88_final_impressao.pdf

